segunda-feira, 24 de maio de 2010

União Homoafetiva - Direitos Sucessórios - Decisão do TJ RS

(Apelação Cível Nº 70012836755, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Berenice Dias, Julgado em 21/12/2005)

Votos:

Desa. Maria Berenice Dias (PRESIDENTE E RELATORA)


...

Extrai-se dos autos, de forma inequívoca, a existência da união homoafetiva mantida entre a apelada L. L. C. N. e D. O. F. pelo período de dezesseis anos, cujo termo final deu-se com o falecimento desta, sucedido em 28-8-1996.

Os apelantes não contestam a coabitação mantida entre a apelada e a extinta e nem a relação afetiva havida em si, mas, tão-somente, a ausência de quanto à configuração de uma relação nos moldes de uma entidade familiar. Salientam, outrossim, que a recorrida somente teria retornado à residência comum, após um período de separação em 1990, com o objetivo de ficar na posse do imóvel casal.

As inúmeras fotos, cartões e outros documentos acostados aos autos dão conta do forte relacionamento havido (fls. 26-8, 30-41, 46-8, 51-8, 61-5, 66-71). As fotografias demonstram diversos momentos da vida das consortes: viagens, aniversários, festas em casa, momentos com amigos, momentos em família, inclusive, com a presença da apelante N., etc.

Além de a apelada ser dependente de D. no centro de servidores do IPE e na farmácia Droganossa (fls. 42-4), ainda mantinham conta conjunta em lojas (fl. 45).

Outrossim, adquiriram, em condomínio, o imóvel localizado na Rua Jaguari, na razão de 18,51% para a apelada e 81,49% para a falecida. Contudo, no decorrer da relação, optaram por redefinir as frações ideais no percentual de 50% para cada uma (fls. 193-4), fato que denota comunhão de vida, de interesses e de embaralhamento patrimonial.

A prova oral também vem ao encontro da tese exposta na exordial, porquanto as testemunhas confirmam que L. e D. viviam como marido e mulher (fls. 310-21).

Não bastassem esses elementos, com o passar dos anos, o casal resolveu adotar o menino D. F. C., cujo nome, inclusive, foi escolhido em homenagem à falecida, cujo apelido era D., e que também foi eleita a madrinha do infante. A criança foi registrada em nome da apelada, constando como testemunhas a de cujus e a apelante N.

Ainda que tal adoção tenha sido procedida de forma irregular (à brasileira), tal circunstância denota o desiderato do par de formar uma família, haja vista o fato de não poderem gerar filhos entre si.

Nesse passo, cabe registrar que a falecida tratava D. como filho. Instituiu o afilhado como seu beneficiário no pecúlio GBOEX (fl. 60), desejava transferir a sua parte no imóvel adquirido em conjunto com a recorrida para o infante (fl. 59), mandava cartões para a apelada em conjunto com o menino (fls. 66-70) e arcava com as despesas inerentes ao sustento deste (fls. 195-6 e 202-5). A simples leitura do cartão da fl. 71, escrito para o afilhado, não deixa dúvidas de que o tinha como filho.

Igualmente, não prospera a alegação de que a apelada teria retornado à residência comum, após uma separação, somente por interesses econômicos.

Nesse sentido, precisas as ponderações da julgadora a quo (fls. 332-3):

Diante disso, fica evidente que o fato da autora ter em algumas ocasiões saído da residência comum, por brigas e para proteger o filho das conseqüências disso, não descaracteriza a união estável, até porque em nenhum momento ela fez mudança, e sempre voltava para casa, aliás, isso também admitido pela demandada N. ao responder uma pergunta a respeito da separação: “depois ela voltou de novo” e nunca mais saiu até a morte da D. (fl. 316).

Além de ser comum entre os casais algumas brigas e rompimentos, na espécie, não se pode olvidar que a falecida estava doente (cirrose) e era alcoolista e, segundo a apelada, por vezes se tornava agressiva, fato que justificava o afastamento dela e do menino do lar comum.

Igualmente, não há falar em infração ao art. 226, §3º, da Constituição Federal.

A homossexualidade remonta às mais antigas civilizações, conforme muito bem observado pelo Des. José Carlos Teixeira Giorgis, em precisa análise histórica sobre o assunto, que peço vênia para transcrever:

É irrefutável que a homossexualidade sempre existiu, podendo ser encontrada nos povos primitivos, selvagens e nas civilizações mais antigas, como a romana, egípcia e assíria, tanto que chegou a relacionar-se com a religião e a carreira militar, sendo a pederastia uma virtude castrense entre os dórios, citas e os normandos.

Sua maior feição foi entre os gregos, que lhe atribuíam predicados como a intelectualidade, a estética corporal e a ética comportamental, sendo considerada mais nobre que a relação heterossexual, e prática recomendável por sua utilidade.

Com o cristianismo, a homossexualidade passou a ser tida como uma anomalia psicológica, um vício baixo, repugnante, já condenado em passagens bíblicas (...com o homem não te deitarás, como se fosse mulher: é abominação, Levítico, 18:22) e na destruição de Sodoma e Gomorra.

Alguns teólogos modernos associam a concepção bíblica de homossexualidade aos conceitos judaicos que procuravam preservar o grupo étnico e, nesta linha, toda a prática sexual entre os hebreus só se poderia admitir com a finalidade de procriação, condenado-se qualquer ato sexual que desperdiçasse o sêmen; já entre as mulheres, por não haver perda seminal, a homossexualidade era reputada como mera lascívia.

Estava, todavia, freqüente na vida dos cananeus, dos gregos, dos gentios, mas repelida, até hoje, entre os povos islâmicos, que tem a homossexualidade como um delito contrário aos costumes religiosos.

A idade Média registra o florescimento da homossexualidade em mosteiros e acampamentos militares, sabendo-se que na Renascença, artistas como Miguel Ângelo e Francis Bacon cultivavam a homossexualidade (APC 70001388982, 7ª CC, Rel.: José Carlos Teixeira Giorgis, julgado em 14/3/01).

Inconteste que o relacionamento homoafetivo é um fato social que se perpetua através dos séculos, não pode mais o Judiciário se olvidar de prestar a tutela jurisdicional a uniões que, enlaçadas pelo afeto, assumem feição de família. A união pelo amor é que caracteriza a entidade familiar e não a diversidade de sexo. E, antes disso, é o afeto a mais pura exteriorização do ser e do viver, de forma que a marginalização das relações mantidas entre pessoas do mesmo sexo constitui forma de privação do direito à vida, em atitude manifestamente preconceituosa e discriminatória. Deixemos de lado as aparências e vejamos a essência.

Sobre o tema, manifestei-me no livro Homoafetividade – O que diz a Justiça:

A correção de rumos foi feita pela Constituição Federal, ao outorgar proteção não mais ao casamento, mas à família. Como bem diz Zeno Veloso, num único dispositivo o constituinte espancou séculos de hipocrisia e preconceito. Restou o afeto inserido no âmbito de proteção do sistema jurídico. Limitou-se o constituinte a citar expressamente as hipóteses mais freqüentes – as uniões estáveis entre um homem e uma mulher e a comunidade de qualquer dos pais com seus filhos – sem, no entanto, excluir do conceito de entidade familiar outras estruturas que têm como ponto de identificação o enlaçamento afetivo. O caput do art. 226 é, conseqüentemente, cláusula geral de inclusão, não sendo admissível excluir qualquer entidade que preencha os requisitos de afetividade, estabilidade e ostensibilidade. Assim, não há como deixar de reconhecer que a comunidade dos filhos que sobreviveram aos pais ou a convivência dos avós com os netos não constituem famílias monoparentais. Da mesma forma não é possível negar a condição família às uniões de pessoas do mesmo sexo. Conforme bem refere Roger Raupp Rios, ventilar-se a possibilidade de desrespeito ou prejuízo a um ser humano, em função da orientação sexual, significa dispensar tratamento indigno a um ser humano (in Homoafetividade – o que diz a Justiça. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, pp. 13/14).

A Constituição Federal proclama o direito à vida, à liberdade, à igualdade e à intimidade (art. 5º, caput) e prevê como objetivo fundamental, a promoção do bem de todos, “sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (art. 3º, IV). Dispõe, ainda, que “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais” (art. 5º, XLI). Portanto, sua intenção é a promoção do bem dos cidadãos, que são livres para ser, rechaçando qualquer forma de exclusão social ou tratamento desigual.

Outrossim, a Carta Maior é a norma hipotética fundamental validante do ordenamento jurídico, da qual a dignidade da pessoa humana é princípio basilar vinculado umbilicalmente aos direitos fundamentais. Portanto, tal princípio é norma fundante, orientadora e condicional, tanto para a própria existência, como para a aplicação do direito, envolvendo o universo jurídico como um todo. Esta norma atua como qualidade inerente, logo indissociável, de todo e qualquer ser humano, relacionando-se intrinsecamente com a autonomia, razão e autodeterminação de cada indivíduo.

Nesse passo, os ensinamentos do jurista Ingo Wolfgang Sarlet:

“{...} Na feliz formulação de Jorge Miranda, o fato de os seres humanos (todos) serem dotados de razão e consciência representa justamente o denominador comum a todos os homens, expressando em que consiste a sua igualdade. Também o Tribunal Constitucional da Espanha, inspirado igualmente na Declaração universal, manifestou-se no sentido de que “a dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que leva consigo a pretensão ao respeito por parte dos demais.

Nesta mesma linha situa-se a doutrina de Günter Dürig, considerado um dos principais comentadores da Lei Fundamental da Alemanha da segunda metade do século XX. Segundo este renomado autor, a dignidade da pessoa humana consiste no fato de que “cada ser humano é humano por força de seu espírito, que o distingue da natureza impessoal e que o capacita para, com base em sua própria decisão, tornar-se consciente de si mesmo, de autodeterminar sua conduta, bem como de formatar a sua existência e o meio que o circunda” (in Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988, Livraria do Advogado editora, 2001, p. 43/44).

Por conseguinte, a Constituição da República, calcada no princípio da dignidade da pessoa humana e da igualdade, se encarrega de salvaguardar os interesses das uniões homoafetivas. Qualquer entendimento em sentido contrário é que seria inconstitucional. E quanto à tutela específica dessas relações, aplica-se analogicamente a legislação infraconstitucional atinente às uniões estáveis.

Nesse sentido, há precedentes de vanguarda desta Corte:

RELAÇÃO HOMOERÓTICA. UNIÃO ESTÁVEL. APLICAÇÃO DOS PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS DA DIGNIDADE HUMANA E DA IGUALDADE. ANALOGIA. PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO. VISÃO ABRANGENTE DAS ENTIDADES FAMILIARES. REGRAS DE INCLUSÃO. PARTILHA DE BENS. REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL. INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 1.723, 1.725 E 1.658 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. Constitui união estável a relação fática entre duas mulheres, configurada na convivência pública, contínua, duradoura e estabelecida com o objetivo de constituir verdadeira família, observados os deveres de lealdade, respeito e mútua assistência. Superados os preconceitos que afetam ditas realidades, aplicam-se os princípios constitucionais da dignidade da pessoa, da igualdade, além da analogia e dos princípios gerais do direito, além da contemporânea modelagem das entidades familiares em sistema aberto argamassado em regras de inclusão. Assim, definida a natureza do convívio, opera-se a partilha dos bens segundo o regime da comunhão parcial. Apelações desprovidas (TJRS, Apelação Cível nº 70005488812, Sétima Câmara Cível, Relator: José Carlos Teixeira Giorgis, julgado em 25/06/2003).


UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA. DIREITO SUCESSÓRIO. ANALOGIA. Incontrovertida a convivência duradoura, pública e contínua entre parceiros do mesmo sexo, impositivo que seja reconhecida a existência de uma união estável, assegurando ao companheiro sobrevivente a totalidade do acervo hereditário, afastada a declaração de vacância da herança. A omissão do constituinte e do legislador em reconhecer efeitos jurídicos às uniões homoafetivas impõe que a Justiça colmate a lacuna legal fazendo uso da analogia. O elo afetivo que identifica as entidades familiares impõe seja feita analogia com a união estável, que se encontra devidamente regulamentada. Embargos infringentes acolhidos por maioria (TJRS, Embargos Infringentes nº 70003967676, 4º Grupo Cível, Relator: Desª Maria Berenice Dias, julgado em 9 de maio de 2003).

Diante de todos esses elementos, a existência da relação afetiva exsurge dos autos, revelando-se impositiva a manutenção da sentença que a reconheceu.

Nesses termos, correta se mostra a sentença de lavra da Dra. Jucelana Lurdes Pereira dos Santos que conferiu efeitos jurídicos à relação havida, reconhecendo direitos sucessórios à apelada.

Por tais fundamentos, é de ser negado provimento ao apelo.

Des. Luiz Felipe Brasil Santos (REVISOR) - De acordo.

Des. Ricardo Raupp Ruschel - De acordo.

DESA. MARIA BERENICE DIAS - Presidente - Apelação Cível nº 70012836755, Comarca de Porto Alegre: "NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME."

Julgador(a) de 1º Grau: JUCELANA LURDES PEREIRA DOS SANTOS

Necessidade de prova da necessidade do Pensionamento - Mulher apta para o trabalho

EMENTA: DIREITO CIVIL - AGRAVO DE INSTRUMENTO - PENSÃO ALIMENTÍCIA À EX-COMPANHEIRA - NÃO DEMONSTRAÇÃO DO BINÔMIO NECESSIDADE/POSSIBILIDADE - MULHER APTA AO TRABALHO - INDISPONIBILIDADE DOS BENS DO CASAL - POSSIBILIDADE ATÉ A PARTILHA DEFINITIVA DA MEAÇÃO - CONHECIMENTO E PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO.

I - Em não restando provada a necessidade da pretensa alimentanda, não há como se conceder a esta um quantum referente à pensão, máxime quando se trata de mulher que ainda encontra-se apta a exercer função no mercado de trabalho, na qual pode manter-se às custas do seu próprio esforço.

II - A indisponibilidade dos bens é necessária, pois é sabido que em uma união estável o patrimônio do casal está registrado em nome de apenas uma das partes. Entender-se de forma contrária somente ensejaria a ausência de óbice para uma possível alienação dos referidos bens, de modo a prejudicar o companheiro-meeiro.

Exoneração Alimentos - Mulher jovem e saudável

CIVIL - ALIMENTOS - EXONERAÇÃO - CÔNJUGE VIRAGO - PENSÃO PARA CUSTEIO DE ESTUDOS - ABANDONO DE CURSO SUPERIOR - MULHER APTA AO TRABALHO.


1.SE O CÔNJUGE VIRAGO TEM CONDIÇÕES MENTAIS E FÍSICAS PARA DESEMPENHAR ATIVIDADE PRODUTIVA, SENDO JOVEM, SEM QUALQUER OBRIGAÇÃO MATERIAL OU DE CUIDADOS DIUTURNOS COM A PROLE, É RAZOÁVEL EXONERAR O CÔNJUGE VARÃO DA PENSÃO QUE VINHA SENDO PAGA, MORMENTE QUANDO COMPROVADO QUE NÃO FREQÜENTA O CURSO DE ARQUITETURA E URBANISMO, COMO ALEGA PARA JUSTIFICAR A NECESSIDADE DOS ALIMENTOS.



2.APELAÇÃO PROVIDA.

Complementação pecuniária em caso de abandono

ACAO DE ALIMENTOS. A OBRIGACAO ALIMENTICIA FUNDAMENTA-SE SOBRE UM INTERESSE PUBLICO-FAMILIAR. ABANDONANDO O MARIDO O LAR CONJUGAL, DEIXANDO DE PRESTAR AUXILIO A FAMILIA, E - EMBORA TRABALHANDO A ESPOSA - DECAINDO O NIVEL DE VIDA DA MULHER E DOS FILHOS POR CAUSA DESSE ABANDONO, CUMPRE AO MARIDO SUPRIR O QUE FALTA. DERAM PROVIMENTO A APELACAO DA AUTORA E NEGARAM-NO A DO REU. VOTO VENCIDO.

(Apelação Cível Nº 584040943, Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nelson Oscar de Souza, Julgado em 14/11/1984)

Dano Moral Afetivo não é matéria constitucional, diz Ministra

Notícias STF
27 de maio de 2009


Ministra arquiva recurso sobre abandono afetivo por não existir ofensa direta à Constituição

A ministra Ellen Gracie, do Supremo Tribunal Federal (STF), arquivou Recurso Extraordinário (RE 567164) em que A.B.F. pedia ressarcimento por danos morais em razão de abandono familiar. Ele alegava ofensa aos artigos 1º, 5º, incisos V e X, e 229 da Constituição Federal.

O autor questionava decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que ao dar provimento a um recurso especial concluiu, com base no artigo 159 do Código Civil de 1916, a inviabilidade do reconhecimento de indenização por danos morais decorrente de abandono afetivo.

“O apelo extremo é inviável, pois esta Corte fixou o entendimento segundo o qual a análise sobre a indenização por danos morais limita-se ao âmbito de interpretação de matéria infraconstitucional, inatacável por recurso extraordinário”, explicou a ministra. Ela avaliou que, conforme o ato contestado, a legislação pertinente prevê punição específica, ou seja, perda do poder familiar, nos casos de abandono do dever de guarda e educação dos filhos.

Assim, Ellen Gracie afastou a possibilidade de analisar o pedido de reparação pecuniária por abandono moral, pois isto demandaria a análise dos fatos e das provas contidas nos autos, bem como da legislação infraconstitucional que disciplina a matéria (Código Civil e Estatuto da Criança e do Adolescente), o que é inviável por meio de recurso extraordinário. Para a ministra Ellen Gracie, o caso “não tem lugar nesta via recursal considerados, respectivamente, o óbice da Súmula 279, do STF, e a natureza reflexa ou indireta de eventual ofensa ao texto constitucional”.

Ao citar parecer da Procuradoria Geral da República, a ministra asseverou que conforme o Código Civil e o ECA, eventual lesão à Constituição Federal, se existente, “ocorreria de forma reflexa e demandaria a reavaliação do contexto fático, o que, também, é incompatível com a via eleita”. Dessa forma, a ministra Ellen Gracie negou seguimento (arquivou) ao recurso extraordinário.



EC/LF

domingo, 16 de maio de 2010

A impropriedade da Súmula 358 do STJ

Thomaz Thompson Flores Neto, advogado em Porto Alegre (RS)
Texto inserido no Jus Navigandi nº 1893 (6.9.2008).


A Constituição Federal assegura que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (artigo 5º, II). Não se trata de simples direito, mas garantia fundamental do cidadão.


O Código Civil brasileiro obriga que os pais sustentem, guardem e eduquem os filhos menores, conforme o artigo 1.566. Esta obrigação legal de proteção decorre do poder familiar, que é exercido sobre os filhos "enquanto menores", nos precisos termos do artigo 1.630.

Trata-se de obrigação tão crucial que o seu injustificado descumprimento configura crime de abandono material, tipificado no artigo 244 do Código Penal, punível com detenção de até quatro anos e multa.

Tendo em conta que a menoridade cessa aos dezoito anos completos, momento em que a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil (artigo 5º do CC), ipso facto, cessa a obrigação que decorre deste fundamento.

Não há, no Brasil, lei que obrigue pais a sustentarem, guardarem e educarem filhos maiores, exceto se incapazes, como dispõe o artigo 1.590 do CC. Também não há crime se não o fizerem.

Como a obrigação legal de sustento cessa, automaticamente, com o advento da maioridade, não faz sentido que o pai tenha de ajuizar ação de exoneração, ou mesmo formular pedido nesse sentido. Isso porque não é o juiz que exonera, é a própria lei que o faz; é o Código Civil que desobriga.

É certo que os filhos, mesmo após atingida a maioridade, podem necessitar de alimentos e, se for possível aos genitores arcar com tal ônus, estarão a tanto obrigados. Contudo, aí a obrigação decorre de outro fundamento legal, o dever de solidariedade recíproco entre parentes (artigo 1.694 do CC), obviamente não mais o de prover a prole.

Se o filho maior permanecer carecendo de auxílio para subsistência, cumpre-lhe, no salutar exercício da luta pelo direito que crê ser titular, acionar o Judiciário com vistas a que a pensão que não mais faz jus em decorrência do implemento da maioridade, seja convertida e mantida sob outro fundamento legal.

Aliás, cabe até pleito de majoração, que haverá de ser decidido à luz do binômio necessidade/possibilidade, tudo mediante contraditório mínimo e instrução sumária, inclusive nos próprios autos da ação em que foi originariamente fixada a pensão.

O que não se concebe é que o Judiciário imponha que uma obrigação extinta por força de lei prossiga exigível, à luz de presunção, não prevista em lei, de que o filho, já plenamente apto à prática dos atos civis, continuaria necessitando da ajuda dos pais.

Ademais, não parece razoável que o pai, legalmente responsável pelas despesas com o filho até os seus dezoito anos, seja forçado a comparecer em juízo para provar que o filho, agora maior e capaz, não necessita de sua compulsória ajuda.

Forçoso reconhecer que o entendimento sumulado, ao ensejar a inversão do ônus da prova, acaba colocando os genitores em incômoda posição, compelindo-os a litigar contra os filhos para se verem exonerados de obrigação que a própria lei já se incumbiu de desonerá-los.

Em síntese: o Código Civil diz que cessa o dever de sustento da prole ante o advento da maioridade, quando cessa o poder familiar. Interpretando tais disposições legais, concluiu o Superior Tribunal de Justiça que não cessa, ao contrário, subsiste mediante conversão automática do fundamento legal, que passa a ser a relação de parentesco.

Assim, a obrigação permanece exigível até que seja comprovado em juízo que alguém maior e capaz pode prover a sua própria subsistência. Isso, independentemente de pedido por parte do próprio beneficiário dos alimentos.

Dita a súmula 358: "O cancelamento de pensão alimentícia de filho que atingiu a maioridade está sujeito à decisão judicial, mediante contraditório, ainda que nos próprios autos."

Tem-se assim, em contrariedade à garantia fundamental de que trata o antes referido artigo 5º, inciso II, da Constituição da República, obrigação cuja exigibilidade não decorre de lei e sim de jurisprudência.

O ponto sensível, subjacente à controvérsia em tela, parece residir na incompreensão de que o tão-só advento da maioridade de fato não retira o direito do filho maior de receber alimentos (decorrentes da relação de parentesco), mas faz cessar, automaticamente, ex lege, a obrigação do genitor de prover o sustento do filho, ou seja, de continuar pagando pensão fundada nessa obrigação legal.

Bem, aí está posto o novo enunciado da Súmula do STJ, aplaudido por juristas renomados, que vem consolidar distorção há muito presente na jurisprudência de nossos tribunais.



Para festejar, apenas o fato de não se tratar de súmula vinculante, como também o de que não são raros os magistrados que entendem a questão sob perspectiva mais consentânea com a ordem constitucional vigente.

Pensão alimentícia para filho maior

Maior de idade só deixa de receber pensão com decisão


O Superior Tribunal de Justiça aprovou a Súmula 358 , que assegura ao filho o direito ao contraditório nos casos em que, por decorrência da idade, acabar o direito de receber pensão alimentícia. De acordo com a Súmula, o fim da pensão não se opera automaticamente, quando o filho completa 18 anos. Isso depende de decisão judicial. Deve ser garantido o direito do filho de se manifestar sobre a possibilidade de conseguir o seu próprio sustento.


O ponto de vista que procuro defender é que os alimentos devem ser fixados sobre o binômio possibilidade do alimentante e necessidade do alimentado.
 No caso abaixo, de 2002, o pai (alimentante) é funcionário público, tem possibilidades de manter a obrigação e o filho (alimentado), professor de inglês, comprova que necessita dos alimentos.
Além disso, no acórdão, há a explicação de que é necessária uma ação de Exoneração de Pagamento de Pensão Alimentícia, de forma a desobrigar o alimentante da obrigação.
Pelo entendimento da Turma, a obrigação foi mantida.


STJ permite que filho maior de idade receba pensão

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, admitiu que filho maior de idade pode continuar a receber pensão alimentícia mesmo que já tenha uma profissão definida. O STJ negou seguimento ao recurso de um funcionário público contra decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo. O TJ-SP havia decidido que o pai é responsável por pagar pensão alimentícia ao filho maior e responsável até que ele complete o curso universitário.

O funcionário público queria deixar de pagar a pensão porque seu filho atingiu a maioridade em dezembro de 1998 e exercia atividade remunerada como professor de inglês de um curso em São Paulo. Por isso, requereu ao juízo onde se processou a separação consensual da mãe de seu filho a expedição de um ofício para sustar os descontos da pensão de sua folha de pagamentos.

O filho foi intimado e alegou necessidade da pensão por estar cursando uma faculdade particular. Então, o pedido do funcionário público foi negado e ele apelou ao TJ-SP.

Segundo o Tribunal estadual, “a jurisprudência, com sabedoria, prolonga o encargo alimentar para possibilitar que filho maior e responsável complete, com a ajuda do pai, o curso universitário, uma questão de dignidade humana afinada com o dever de solidariedade familiar”. Para o TJ-SP, o pedido de exoneração da pensão alimentícia deveria ter sido feito em outra ação diferente daquela da separação.

Inconformado, o pai recorreu ao STJ. Insistiu nos argumentos de que a maioridade faria cessar a pensão. Ele ressaltou que o filho já poderia se sustentar porque exercia uma profissão.

A defesa do filho alegou que a vida do rapaz não mudou em nada depois de ele completar 21 anos. “Será possível acreditar na afirmativa de que até 21 anos e 364 dias o filho indiscutivelmente dependia de ajuda financeira e aos 21 anos e um dia não?”, questionou.

De acordo com o relator do recurso, ministro Aldir Passarinho Junior, ao STJ restaria examinar apenas o cabimento ou não da continuidade do pagamento da pensão, em face das provas apresentadas no processo. “Acontece, porém, que para tanto, seria imprescindível o reexame das provas” para saber da necessidade do filho e das condições financeiras do pai, o que iria contrariar a súmula 7 do STJ.

Por outro lado, o relator acrescentou que não há dúvida quanto à existência do dever de prestação de alimentos do pai em relação ao filho, ainda que maior, e vice-versa, conforme estabelece o Código Civil. Conforme o artigo 396, os parentes podem exigir uns dos outros os alimentos de que necessitem para subsistir. O artigo 397 completa: “O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros”.

Jurisprudência retirada da revista Consultor Jurídico, 28 de maio de 2002

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Alienação do Afeto – desamor e traição no casamento podem gerar indenização?

30.11.2001

REGINA BEATRIZ TAVARES DA SILVA
Coordenadora e Professora do programa de educação continuada e especialização em Direito GVlaw, Mestre e Doutora em Direito Civil pela USP e Advogada.


 
A aprovação do texto do novo Código Civil pela Câmara dos Deputados precipitou uma série de notícias que, em alguns casos, passou a noção de que seria um retrocesso a inserção do adultério como causa de separação judicial. O adultério pode deixar de ser ilícito penal ou crime, mas sempre foi e será ilícito civil, por importar em grave descumprimento do dever de fidelidade, dever este que é essencial em sociedades cujas famílias têm formação monogâmica. Portanto, o novo Código Civil não retrocede ao estatuir o dever de fidelidade entre pessoas casadas e o adultério como descumprimento desse dever.

A infidelidade ou traição no casamento pode gerar o direito à indenização, além de ser causa de separação judicial.
Indaga-se, então, se a perda de amor, por si só, pode acarretar o direito do desamado à indenização.

Nos Estados Unidos da América vigora lei sobre "alienação de afeto" (alienation of affection), em nove estados (Alaska, Hawaii, Illinois, Mississippi, Missouri, New Mexico, North Carolina, South Carolina e Utah), que data de 1700 e proporciona indenizações a partir de US$ 30,000.00. Segundo essa lei, se um dos cônjuges causa dor ao outro ou destruição da família, deve responder por isso, com a indenização cabível. E a traição da mulher tornou o marido milionário, em razão de condenação do amante da esposa em US$ 1,400.000.00. Após dez anos de casamento, com filhos comuns, a mulher abandonou o marido, para viver com um namorado que teve na época do curso colegial, o que trouxe a aplicação da referida lei, que alcança até mesmo o terceiro que é cúmplice do adultério.

No Direito brasileiro não existe lei específica sobre a aplicação dos princípios da responsabilidade civil às relações familiares. No entanto, há regra geral sobre a responsabilidade civil, pela qual aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano (art. 159 do Código Civil). Essa regra é perfeitamente aplicável às relações de família (v. Reparação civil na separação e no divórcio, tese de doutorado defendida pela articulista na USP, publicada pela Saraiva em 1999).

É incontestável que a perda do afeto da pessoa amada traz dor, tristeza, desespero, depressão e outros sentimentos negativos. Há, portanto, dano moral, expressão utilizada nos meios jurídicos para qualificar esses sentimentos.

Mas, para que exista o direito à indenização é necessário o preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil, que não se resumem ao dano, seja moral, seja patrimonial. Há outros dois requisitos da responsabilidade civil subjetiva e do conseqüente direito à indenização: o ato ilícito e o nexo causal entre o ato ilícito e o dano. O ato ilícito decorre do descumprimento de dever legal ou contratual.

Quando uma pessoa casada deixa de amar a outra, não pratica qualquer ato ilícito, porque não há, nem mesmo no casamento, o dever de amar o consorte. Se não há dever, não pode haver descumprimento de dever e, portanto, não pode existir ato ilícito.

No entanto, as pessoas casadas têm o dever de fidelidade, que é o dever de lealdade, sob o aspecto físico e moral, quanto à manutenção de relações que visem à satisfação do instinto sexual dentro da sociedade conjugal. Esse dever é estabelecido no art. 231, I, do Código Civil, como dever oriundo do casamento civil, e no art. 2.º, I, da Lei n. 9.278, de 10-05-1996, como dever originado da união estável.

Se há descumprimento do dever de fidelidade por parte de uma pessoa casada ou que viva em união estável, há ato ilícito. Se desse ato ilícito decorrer dano, que na maioria das vezes é de ordem moral, pelo sofrimento que a traição causa, haverá o preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil e, por conseguinte, o direito à indenização do consorte ofendido, traído na relação conjugal ou de união estável.

E, recentemente, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu que o cônjuge que descumpre dever conjugal, no caso o dever de respeito, deve pagar indenização pelos danos morais ocasionados à consorte. Esse dever é jurídico e não só moral, e está estabelecido no Código Civil, art. 231, III, sob a denominação de dever de mútua assistência (v. Dever de assistência imaterial entre cônjuges, dissertação de mestrado defendida pela articulista na USP, publicada pela Forense Universitária em 1990).

O julgado do STJ versou sobre uma separação judicial em que a mulher, durante o casamento, foi agredida em sua honra, com humilhações constantes feitas por seu marido, incluindo o cerceamento de sua liberdade, sendo que, tendo fugido do lar conjugal, por estar em risco sua integridade física, foi abandonada materialmente pelo marido, sobrevivendo à custa da caridade de amigos. Tratava-se de um casal de libaneses, que, embora residentes no Brasil desde 1981, não tinha, da parte do marido, a assimilação da cultura ocidental, sendo sua prática costumeira tratar a mulher como subordinada e ser inferior. O TJSP considerou que, embora existisse descumprimento por parte do marido do dever de respeitar a consorte, inexistia o direito desta última à indenização, em razão dos referidos costumes. O STJ reformou essa decisão, para condenar o marido a pagar à mulher uma indenização, já que estavam preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil: ato ilícito (descumprimento do dever de mútua assistência imaterial ou respeito recíproco) ligado, pelo nexo causal, ao dano moral por ela sofrido.

Conclui-se que, tanto nos EUA como no Brasil, a matéria em tela merece a atenção dos estudiosos do Direito, especialmente quando se avizinha um novo Código Civil e o Direito de Família está em plena evolução.

O dano moral e sua reparabilidade no Direito de Família

Elizabete Alves de Aguiar

Mestranda UNESA

Juíza de Direito

Sumário: Apresentação; 1. Introdução;

2. Considerações gerais sobre o dano moral; 3. Responsabilidade civil por danos decorrentes do rompimento da promessa de casamento; 4. Reparação civil por danos morais decorrentes da ruptura e violação dos deveres do casamento; 5. Reparação civil por danos morais decorrentes do rompimento e violação dos deveres da união estável; 6. Conclusão; 7. Bibliografia.

Apresentação

Aborda este de maneira suscinta a problemática da reparação do dano moral decorrente da dissolução do casamento e da violação dos deveres matrimoniais e dos oriundos do concubinato puro erigido em união estável, norteando-se o mesmo a partir de análises e estudos de observações advindas da realidade e da prática.

As novas tendências do Direito de Família, colocando ao lado do matrimônio a união estável como entidade familiar obriga-nos a reflexões sobre a responsabilidade civil na esfera jurídico-familiar, haja vista a timidez no campo prático da postulação de indenização por danos morais, inobstante tenha a Constituição da República, no inciso X do art. 5º consagrado de forma ampla e sem quaisquer restrições a reparação por dano moral.

1. Introdução

A família, como base da sociedade, pela nova ordem constitucional, passou a abranger nos termos do art. 226, parágrafos 1º e 2º, o casamento civil, o casamento religioso, com efeito civil, no termos da lei.

Inclui-se também dentro do conceito de família, a figura da união estável, alçada à categoria de entidade familiar para efeito de proteção estatal, traçada suas linhas gerais no § 3º do mesmo artigo.

O casamento, tido por CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, CLÓVIS BEVILÁCQUA e outros, como um contrato de direito de família, sendo um ato complexo que reúne o elemento volitivo (contratual) ao elemento institucional, é concebido como uma instituição na qual os nubentes ingressam manifestando suas vontades de acordo com a lei. O casamento civil foi estabelecido pelo Decreto nº 181/1990, sendo tratado no CCB, nos arts. 180/228 tendo seus efeitos jurídicos disciplinados pelos arts. 229 a 255, cuidando os arts. 256 a 314 dos regimes de bens.

Já o casamento religioso com efeitos civis foi regulamentado pela Lei nº 379/37, reestruturada pela Lei nº 1.110/50, tendo sido reconhecido pelo § 2.º do art. 226 da Constituição de 1988.

A união estável constitui instituição jurídica ao lado do casamento, exigindo como este, pressupostos para a sua constituição, elementos de conteúdo consubstanciados em deveres e direitos a serem observados pelos conviventes, a regulamentação em relação a patrimônio porventura existente, normas sobre a administração da sociedade dos conviventes, e ainda regras atinentes a direitos e deveres de ordem pessoal, moral e patrimonial, e também as formas de extinção da união estável e o destino do acervo patrimonial a título sucessório.

Inobstante não possa se igualar ao matrimônio civil legalmente constituído, a união estável em muito se aproxima desta instituição, tanto que mesmo em não havendo sua conversão em casamento, produz vários e relevantes efeitos jurídicos.

Disciplinada pela Lei nº 9.278, de 10/05/96, constitui uma instituição caracterizada por uma união de fato, cujos pressupostos da mesma são de três ordens: a) convivência more uxório, em regra, sob o mesmo teto, com affectio maritalis (como se houvesse casamento); b) publicidade e continuidade da convivência; c) serem os conviventes livres (solteiros, viúvos, divorciados ou separados de fato), pois a união estável (concubinato puro) pode ser convertida em casamento.

Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 2.686/96, dispondo sobre o Estatuto da União Estável, em substituição à legislação vigente, sendo que ab-rogará expressamente as Leis n.º 8971/94 e 9.278/96, dando nova definição de união estável, exigindo para a configuração da mesma o prazo mínimo de cinco anos de vida em comum sob o mesmo teto ou dois anos se resultar prole, sendo que quanto ao estado civil dos conviventes há exigência de desimpedimento matrimonial ou que os companheiros sejam separados judicialmente ou de fato, estabelecendo como direitos e deveres a serem observados por ambos os companheiros, um em relação ao outro, a lealdade (correspondente ao dever de fidelidade entre os casados - art. 231 do Código Civil), respeito e consideração, e a assistência material e moral, com o conseqüente dever da prestação alimentícia na hipótese da dissolução da vida em comum.

2. Considerações gerais sobre dano moral

A reparação civil pelo dano moral tem causado grande polêmica, notadamente no Direito de Família.

É inconteste que todo o dano oriundo de um ato praticado em desacordo com a ordem legal e lesivo ao direito de outrem importando na violação do ordenamento jurídico, deve ser indenizado. Havendo violação de um direito que configure ofensa à sociedade por infração de preceito indispensável, tem-se um ilícito penal, e ao reverso, se a violação for a um direito subjetivo privado estar-se-á diante de um ilícito civil, acarretando a responsabilidade civil.

Para a configuração do ato ilícito a ensejar a responsabilidade civil, mister a existência de um fato lesivo voluntário comissivo ou omissivo, a ocorrência de um dano patrimonial ou moral, o nexo causal entre o dano e o comportamento do causador deste, e ainda, se subjetiva a responsabilidade, a existência da culpa.

Em relação ao dano sofrido por aquele que é atingido em um bem jurídico, pode ser o mesmo patrimonial ou material, quando atinge a pessoa ou a coisa objetivamente, causando-lhe prejuízos de ordem econômica, e moral ou pessoal, quando atinge a pessoa ou a coisa pelo lado subjetivo, no que respeita à personalidade ou o lado afetivo que a coisa possa representar, abrangendo abalo dos sentimentos e lesão a todos e quaisquer bens ou interesses pessoais, com exceção dos econômicos, enquadrando-se também no dano pessoal, o chamado dano estético, desde que cause humilhação e desgostos de molde a originar uma dor moral.

É a responsabilidade civil subjetiva, quando fundada na culpa, bipartindo-se em contratual e extracontratual, nominada também de aquiliana ou delitual, decorrendo a primeira de quebra de normas contratuais e a segunda, de ilícito civil.

Apesar de não consignar explicitamente a expressão dano moral, o CCB admite e prevê o dano moral puro ou em conjunto com o dano patrimonial, em vários de seus dispositivos, a saber:

Art. 1.537 – Homicídio – indenização à família da vítima de homicídio, bem como aos dependentes destas, em forma de prestação de alimentos, com o pagamento de verbas do tratamento médico da vítima, de seu funeral e do luto da família;

Art. 1.538, caput – Lesão corporal – indenização em caso de ferimento ou outra ofensa a saúde. § 1º – aleijão ou deformidade. § 2º – aleijão ou deformidade em mulher solteira ou viúva – indenização consistente no pagamento de um dote de acordo com as posses do ofensor as circunstâncias da ofendida e a gravidade do defeito, se a pessoa lesionada for mulher solteira ou viúva ainda capaz de se casar;

Art. 1.539 – perda ou diminuição permanente da capacidade de trabalho que possa resultar defeito;

Art. 1.547 – Crimes contra a honra (injúria, calúnia e difamação) – No caso a norma só prevê a reparação em havendo reflexos patrimoniais do dano moral, deixando este sem nenhum ressarcimento. Entretanto, em não sendo possível a prova dos prejuízos materiais, o ofensor pagará o dobro da multa no grau máximo da pena criminal respectiva, o que equivale na realidade a danos morais.

Art. 1.548 – A mulher agravada em sua honra por crimes contra os costumes (estupro, atentado violento ao pudor, sedução e rapto) terá direito a exigir do ofensor se este não puder ou não quiser reparar o mal pelo casamento, um dote correspondente a sua própria condição e estado.

Art. 1.550 – ofensa à liberdade pessoal – casos de cárcere privado, prisão por queixa ou denuncia falsa e de má-fé, ou prisão ilegal – a reparação baseada em multa criminal, consiste em ressarcibilidade dos danos morais.

No atinente aos critérios adotados para fixação do dano moral, convém fazer menção ao previsto no art.1538 do CCB, o qual prevê o pagamento da indenização e importância da multa no grau médio da pena criminal correspondente, devendo-se levar em consideração os critérios estabelecidos no art. 49 do Código Penal para a fixação da pena de multa, mínimo de 10 e máximo de 360 dias multa, a ser o valor do dia multa fixado pelo juiz não podendo ser inferior a 1/30 avos do maior salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato, atendendo o julgador à situação econômica do réu, podendo triplicar a multa se entender que a mesma é ineficaz, embora aplicada ao máximo; art. 1.547, parágrafo único, o qual prevê o pagamento da indenização em quantia equivalente ao dobro da multa no grau máximo da pena criminal respectiva, devendo-se levar em consideração os critérios estabelecidos no art. 49 do Código Penal para a fixação da pena de multa; Lei nº 4.117/62 (Lei de Telecomunicações), que em seu art. 84, prevê a variação de 5 a 100 salários mínimos, como valores indenizatórios; Lei n.º 5.250/67 (Lei de Imprensa) que prevê o quantum remuneratório em até 200 sálarios-mínimos.

Entretanto, tais critérios, passaram a ser paulatinamente abandonados pelo Tribunais pátrios após a vigência da CRFB/88. A indenização pelos danos morais começou a ser fixada através de arbitramento, cabendo ao juiz avaliar a reparação em consonância com a intensidade do sofrimento, sobretudo temporal e de acordo com as condições pessoais do ofendido, notadamente, sua idade, seu estado civil, sua condição econômico-financeira, suas atividades preponderantes, etc, não havendo óbice a que as indenizações por dano material e moral oriundos do mesmo fato, sejam cumuladas, conforme entendimento do enunciado nº 37 da Súmula do STJ, e seus respectivos precedentes.

No campo do Direito de Família, entendendo-se que o casamento civil e a união estável são instituições, a responsabilidade civil oriunda da violação dos deveres matrimoniais ou dos decorrentes da união estável, insere-se no campo da responsabilidade civil subjetiva extracontratual ou aquiliana, podendo ensejar a reparação por danos morais.

3. Responsabilidade civil por danos decorrentes do rompimento da promessa de casamento

No que pertine ao cabimento de reparação de danos morais em decorrência da ruptura da promessa de casamento, controvertida é a doutrina. Há os que negam cabimento à reparação por danos morais em tal caso, sob o argumento de que um noivado ou namoro sólidos e duradouros que fossem rompidos abruptamente e sem motivos não faz nascer a responsabilidade civil por danos morais, pois tais “compromissos” não induzem início de execução por não se traduzir em um contrato, importando o rompimento da “promessa de casamento” tão só na possibilidade de ressarcimento por danos materiais, eis que o desfazimento de tal “compromisso amoroso” fica na dependência de motivos de ordem subjetiva e afetiva, inerentes ao ser humano.

Ao discorrer sobre a matéria, YUSSEF SAID CAHALI, referindo-se ao direito francês, citando DEMOGUE, o qual salienta que a ruptura, sem motivo, da promessa de casamento, pode dar lugar a uma indenização, face às suspeitas que ela fará pesar sobre a pessoa abandonada; e CARBONNIER, ajunta que se a reparação pode concernir a um prejuízo de ordem material, é mais comum invocar-se o dano moral causado à noiva, uma vez que atingida a sua reputação.

Anota ainda o mesmo autor, que “como é sabido, o nosso legislador houve por bem não disciplinar os esponsais como instituto autônomo; preferiu-se, conforme assinala uníssona doutrina, deixar a responsabilidade civil pelo rompimento da promessa sujeita à regra geral do ato ilícito. Daí concluir-se que o silêncio do Código Civil não obsta a que os esponsais possam dar causa a um indenização de danos. Assim, não ficando comprovados motivos ponderáveis ao desfazimento do noivado, assiste ao prejudicado o direito de ser ressarcido dos prejuízos”.

“... o instituto dos esponsais é disciplinado em várias legislações modernas, havendo algumas que o consideram verdadeiro contrato, cujo inadimplemento produz a obrigação plena de indenizar (Códigos Civis alemão e suíço, leis escandinavas e direito anglo-americano). Outras não o tratam como um contrato, mas atribuem à parte repudiada uma indenização (Códigos Civis austríaco, espanhol, holandês, italiano, grego, mexicano, peruano, português e venezuelano). Os Códigos Civis brasileiro, francês e romeno silenciam completamente a respeito, enquanto outros, como o argentino, o chileno, o colombiano e o uruguaio, expressamente negam-lhe qualquer efeito”.

Consoante WLADIMIR VALLER “a ruptura da promessa de casamento sem justa causa sempre produz dano moral, especialmente em relação à noiva, citando o exemplo, da mulher que, diante do noivado, com a promessa de casamento imediato, passa a coabitar com o noivo, assumindo com isso uma condição de vida que certamente lhe acarretará um prejuízo moral, se o noivado for desfeito”.

Inobstante entendimentos doutrinários e jurisprudenciais contrários que negam a reparação pelos danos morais em decorrência do rompimento unilateral de noivado, admitindo tão só o ressarcimento pelos danos patrimoniais, há que se salientar que restando comprovado que o rompimento foi abusivo e injustificado, e que houve violação do princípio da boa-fé, nada impede que seja pleiteada e concedida a reparação pelos danos morais, notadamente havendo prejuízos em decorrência de ofensa à honra, à imagem, ao nome da pessoa ofendida, haja vista que a Constituição da República, no inciso X de seu art. 5º, consagra expressamente a indenização pelo dano moral pela violação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas. Com efeito, em casos tais, vai ganhando espaço o entendimento de que a indenização deve ser a mais ampla possível, abarcando tanto os danos patrimoniais oriundos de quaisquer despesas, bem como os danos de ordem moral, com âncora no art. 159 do CCB.

A respeito da matéria, o TJSP em atualíssima decisão constante da RT 639/58, concedeu indenização de forma cumulativa por dano material e moral em caso de rompimento imotivado de noivado às vésperas de casamento.

4. Reparação civil por danos morais decorrentes da ruptura e violação dos deveres do casamento.

Prestigiando a família como base da sociedade e com especial proteção estatal, a Constituição da República Federativa do Brasil consigna no § 5º do art. 226, que “ Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”.

Com efeito, com o matrimônio nasce a família legítima, impondo-se deveres para ambos os consortes, merecendo especial relevo os atinentes à fidelidade recíproca, a coabitação no domicílio conjugal, e a mútua assistência, elencados no art. 231 do CCB.

Há grande resistência quanto ao cabimento da reparação pelos danos morais oriundos do rompimento do matrimônio e da violação dos deveres do mesmo.

Argumentam aqueles que são contrários à reparabilidade dos danos morais nestas hipóteses, sustentando que por mais que repugne à moral e aos bons costumes, o rompimento do casamento por atos ilícitos praticados por um dos cônjuges contra o outro ou de um terceiro em conjunto com um dos consortes na “hipótese de adultério”, incabível é a reparação por danos morais em decorrência de tais atos, ficando a censura dos mesmos por conta das normas de direito de família que acarretam, a perda do direito a alimentos e à guarda dos filhos menores, as possíveis restrições ao direito de visitação a estes, a proibição a mantença do apelido do marido, etc.

No revogado art. 317 o CCB discriminava os motivos para o desquite: adultério, tentativa de morte, sevícia ou injúria grave e abandono voluntário do lar conjugal durante dois anos contínuos.

Na mesma esteira trata a matéria, o art. 1577 do Projeto de Lei n.º 634, do Código Civil recentemente aprovado no Senado:

“Art. 1577 – Considerar-se-á impossível a comunhão de vida tão somente se ocorrer algum dos seguintes motivos:

I – Adultério.

II – Tentativa de morte.

III – Sevícia ou injúria grave.

IV Abandono voluntário do lar conjugal, durante um ano contínuo.

V – Conduta desonrosa“.

No atinente ao rompimento culposo do casamento, a importar reparação por danos morais, vislumbra-se abalizados entendimentos favoráveis ao cabimento de indenização.

WLADIMIR VALLER expõe: “A violação dos deveres explícitos ou implícitos do casamento, constituindo ofensa à honra e a dignidade do consorte, caracteriza injúria grave, e, por conseguinte, pressuposto autorizador da separação judicial. A separação judicial ou o divórcio importam em um dano para o cônjuge atingido pela conduta antijurídica do outro, violadora dos valores conjugais que sustentam as relações familiares, ensejando a reparação dos danos meramente patrimoniais, como também dos danos morais. Absolutamente inaceitável o entendimento de que pela ruptura do casamento, o cônjuge culpado deve responder apenas pela obrigação alimentar e pela possível perda da guarda dos filhos. A nulidade ou a anulação do casamento (arts. 207 e 224 do CCB) também ensejaram a reparação do dano moral por parte do cônjuge que deu causa à nulidade ou à anulação, pois estas importam em um dano para o cônjuge inocente ou enganado, provocado pela conduta antijurídica do contraente de má-fé”.

Traz-se a lume também o escólio de MÁRIO MOACYR PORTO:

“A concessão judicial da pensão não tira do cônjuge abandonado a faculdade de demandar o cônjuge culpado para obter uma indenização por outro prejuízo que porventura tenha sofrido ou advindo do
comportamento reprovável do outro cônjuge, de acordo com o disposto no art. 159 do Código Civil”.

Continua o mesmo autor: “ A pensão a que alude o art. 19 da Lei do Divórcio repara tão somente o prejuízo que sofre o cônjuge inocente com a injusta supressão do dever de socorro. Outros prejuízos que resultarem da separação litigiosa ou do divórcio poderão ser ressarcidos com apoio nas regras do direito comum, isto é, na conformidade do art. 159 do Código Civil. Não ocorre, assim, uma dupla indenização pelo mesmo dano, mas indenizações diversas de prejuízos diferentes.”

Sustenta ainda o escoliasta, a possibilidade de ação de indenização a ser promovida pelo cônjuge inocente contra o cônjuge culpado, na hipótese de anulação do casamento putativo, expondo:
“... no caso de a boa – fé limitar-se a um dos cônjuges (parágrafo único do art. 221 do CC), afigura-se-nos fora de dúvida que o cônjuge inocente poderá promover uma ação de indenização do dano que sofreu contra o cônjuge culpado, com apoio no art. 159 do Código Civil”.

Constituindo o adultério violação do dever de fidelidade conjugal, questiona-se se o mesmo pode acarretar reparação civil. Respondendo tal questão, leciona AGUIAR DIAS:

“À luz dos princípios expostos, não se pode senão sustentar a afirmativa. Sem cogitar do dano moral que incontestavelmente acarreta, o adultério pode produzir dano material e, em presença dele a admissibilidade da ação reparatória não pode sofrer objeção, ainda por parte dos que se negam a reconhecer a reparabilidade do dano moral”.

Recentemente, o Egrégio Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro negou o cabimento de danos morais em decorrência da dissolução do casamento pelo divórcio, conforme a Ementa do acórdão, in expressis:

Emenda nº 16

Divórcio Direto – art. 40 da lei de Divórcio

Dano Material. Dano Moral. Indeferimento

Divórcio

Danos Morais

Reparação. Inadmissibilidade.

“Admitindo-se que o casamento é um contrato, não se pode deixar de notar que ele não se assemelha ao contrato do direito patrimonial. Embora esteja submetido à livre vontade das partes, não podem estas estipular condições ou termos, nem apor cláusulas ou modos, nem disciplinar as relações conjugais de maneira contrária à lei. Por isso, as controvérsias decorrentes de sua eventual dissolução não podem ser solucionadas com as regras próprias das obrigações.

Recurso improvido (JCR).”

(Apelação Cível nº 14.156/1998 – Reg. e, 15/06/1999 – Capital – 14.ª Camâra Cível – Unânime. Des. Marlan Marinho – julg.: 13/05/1999).

A par de não se ter notícia de jurisprudência pátria em caso de reparação por dano moral ou material que tenha se originado do adultério, convém salientar que os pretórios franceses já se manifestaram a respeito concedendo ao cônjuge traído, ação de reparação contra o cônjuge adúltero e seu cúmplice (cf. Lalou., ob.cit., nº 710, p. 367; Savatier, ob. cit., nº 9, p. 13).

É por oportuno, fazer referência que no vizinho Uruguai, houve decisão datada de 06/03/89 que admitiu reparação por dano moral que teve como fato causador o adultério praticado pelo marido que gerou como conseqüências danos à esposa que teve que se submeter a tratamentos médicos, a qual teve como seqüelas problemas sérios face ao ato ilícito praticado pelo cônjuge, sendo arbitrada indenização pelo dano moral sofrido.

Também na Argentina, com fundamento nas regras gerais de responsabilidade civil insertas no Código Civil Argentino (arts. 1.077/1.109), já houve decisão admitindo indenização por danos morais, a ser suportado pelo cônjuge causador do rompimento do casamento.

Importa trazer à colação o voto vencido do Ministro Athos Gusmão Carneiro, quando Desembargador da 1ª Câmara Cível do TJRS, no Ac. 36.016, em 17-3-81, que discordando do eminente Yussef Said Cahali, em Ação de Responsabilidade Civil intentada pela esposa após separação judicial a que deu causa o marido a sevícias e injúrias contra a mesma perpetradas, que acolhendo a pretensão admitia a reparação por danos morais mediante liquidação por arbitramento com amparo no art. 1.553 do CCB, asseverando o seguinte: “... quer-me parecer encontram origem completamente diferente a pensão alimentícia que o cônjuge culpado deve ao cônjuge inocente e pobre, pensão que substitui o dever de assistência, e a indenização por danos morais sofridos pelo cônjuge inocente. Caio Mário da Silva Pereira (‘Instituições do Direito Civil’, t. V, Forense, n. 408), em tratando dos efeitos do desquite, afirmou: ‘Afora os alimentos, que suprem a perda de assistência direta, poderá ainda ocorrer a indenização por perdas e danos (dano patrimonial e dano moral), em face do prejuízo sofrido pelo cônjuge inocente’ (ob. cit., ed. 1972, p. 155)”. (RT, 560: 178-86).

Considerando que a violação dos deveres do casamento, a par das vezes caracteriza-se por atos ilícitos e crimes perpetrados por um cônjuge contra o outro, deve-se interpretar o inc. X do art. 5º da CRFB/88 e o art. 159 do CCB com o maior alargamento possível, admitindo-se como possível a reparabilidade do dano moral injustamente causado pelo cônjuge culpado ao cônjuge inocente.

5. Reparação civil por danos morais decorrentes do rompimento e violação dos deveres da união estável

O art. 226 da CRFB, apenas para a proteção do Estado, reconheceu em seu parágrafo 3º, a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar.

Regulamentado o parágrafo 3º do art. 226 da CRFB/88, pela Lei 9.278, de 10/05/96, a qual deu novos contornos a união estável que não haviam sido objeto de disciplina pela anterior Lei 8971, de 29/12/94, não estabeleceu tal diploma legal, igualdade de direitos entre a sociedade matrimonial e as uniões de fato, procurando equipará-la com temperamentos, como instituição jurídica que é, ao casamento, apesar de não igualá-la a este.

A união estável não exige formalidades como se dá no casamento, através do processo de habilitação, inobstante venha surgindo na prática convenções escritas, rotuladas de “contratos de convivência ou de união estável”, constando nos mesmos, direitos e deveres, sendo que tais compromissos não equiparam a união estável ao casamento, nem os transformam em processo de habilitação ou de pacto antenupcial.

O direito nacional em decorrência da realidade fática, atendendo aos reclamos sociais institui, em substituição à anterior figura do concubinato, a união estável, caracterizando-se esta por uma relação informal e união de fato pública, notória e duradoura, como se os conviventes casados fossem, erigindo-a à condição de entidade familiar, e inserindo-a no campo do Direito de Família ao lado do casamento.

Pela Lei 9.278/96 restaram assegurados aos conviventes, deveres e direitos relacionados nos arts. 2º e 7º, dentre os quais se destacam em especial, os de, respeito e consideração, assistência material (alimentos) e assistência moral.

Em relação a extinção ou dissolução da união estável, esta se dá por duas formas: a) por morte de um dos conviventes – art. 7º, § 1º; b) por rescisão (violação dos deveres da união previstos nos incisos I a III do art. 2º e art. 7º, caput). Cabem alimentos (dissolução sanção)

A questão que se apresenta, diz respeito ao cabimento da responsabilidade civil em decorrência do desaparecimento da união estável por rescisão, tendo como causa a violação dos deveres previstos na lei regulamentadora.

No que diz respeito à ruptura do concubinato, consoante o escólio de AGUIAR DIAS, “A doutrina e a jurisprudência, esclarecem, sem discrepância, que o estado de concubinato pode ser rompido a qualquer instante, qualquer que seja o tempo de sua duração, sem que ao concubino abandonado assista direito a indenização pelo simples fato da ruptura”.

Afastado o problema da sedução, que complica o do que estamos tratando, não há se não concordar com a orientação que não reconhece direito a reparação com fundamento no mero fato do concubinato “... reconhecendo, contudo, nessa orientação, ‘um critério masculino e imoral de ver as coisas’”.2

Anota SAVATIER, citado por AGUIAR DIAS, “... Sem nenhuma dúvida, é um miserável o homem que, depois de ter vivido longos anos com uma mulher, a atire repentinamente à sarjeta. De forma que, em certas circunstâncias é possível reconhecer a sua responsabilidade, principalmente se se trata de ligação a que precedeu sedução; se o concubinato não resultou de sedução, nem é, em face das circunstâncias, abusivo, não tem lugar qualquer reparação).

Inobstante, os pretórios franceses negarem reparação, ainda quando o concubinato seja prolongado, e quando haja de parte do autor do rompimento uma promessa de casamento, tanto a anterior, como concomitante às relações sexuais, sustenta JOSÉ DE AGUIAR DIAS, que não sufraga tal ponto de vista, vez que deve-se atentar para o peso das circunstâncias, salientando que a jovem da cidade, melhor instruída não pode ser equiparada à operária analfabeta, impressionada com a riqueza do sedutor; que a união prolongada de que resulte prole, não pode ser considerada nos mesmos termos em que se aprecia o concubinato estéril; que a ruptura da união livre, quando a mulher seja capaz de conseguir uma colocação, tem as mesmas conseqüências do rompimento em época em que a mulher, já velha, nada mais possa conseguir e tenha de enfrentar a miséria; que o indivíduo que, induzindo a mulher honesta a viver com ele, determine perda de sua situação social ou do seu emprego, possa fazê-lo impunemente, e com essa espécie de aprovação dos tribunais.

Em se tratando de responsabilidade civil quando ocorre a ruptura da união estável é por oportuno trazer à colação a explanação de RAINER CZAJKOWSKI:

“A união estável entre um homem e uma mulher, não se explica pura e simplesmente como um contrato. Quando há rompimento da relação, por isso, não se cogita meramente de descumprimento de contrato. Existem inúmeras causas para a dissolução das uniões, e em cada caso há detalhes e circunstâncias peculiares que passam, geralmente pela perda do interesse afetivo, pela infidelidade, pela incompatibilidade de comportamentos e por problemas econômicos e profissionais”.

Continua o referido autor:

“A dissolução de uma união estável pode ser mais ou menos dolorosa, mas sempre afeta os parceiros no lado emocional e psicológico. A frustração da perspectiva familiar, o malogro da comunhão de vida tentada; a dor de se sentir traído ou enganado em seus propósitos, fazem do rompimento uma experiência desagradável e negativa. Tudo isso, porém, não é a princípio indenizável. Mesmo que definida a responsabilidade preponderante de um dos parceiros pela extinção da união, o desencanto e o sofrimento do outro via de regra não são indenizáveis. E assim ocorre porque a união é livre; é absolutamente voluntária para os parceiros, ainda que um se pretenda, depois, induzido em erro ou vítima de má-fé. Ao encetar a relação, cada um assumiu o risco de ser mal sucedido.

Mas este não pode ser levado ao extremo de negar, terminantemente, qualquer possibilidade de perdas e danos entre os parceiros por ocasião da ruptura do relacionamento. Vale repetir: cuida-se aqui da admissibilidade de indenização, ou ainda reparação de danos morais, não de alimentos propriamente ditos.

Há casos que extrapolam os limites usuais de um rompimento: atentados contra a vida, a integridade física, o patrimônio do outro parceiro; a difamação pela imprensa; os constrangimentos públicos movidos por vingança; as ofensas à honra; o dolo de encenar uma união para tirar proveito escuso, etc. São hipóteses nas quais, em face do ilícito, o sofrimento e o desconforto moral da dissolução, para um dos parceiros, ultrapassa em muito os padrões de dificuldade psicológica e emocional típicos destes momentos. Aí, é cabível a pretensão reparatória ou indenizatória de danos entre ex-parceiros”.

Embora se possa admitir a reparação por danos morais em decorrência de rompimento e infidelidade na união estável, a jurisprudência pátria se posicionou contrariamente a respeito do assunto, como se observa dos seguintes julgados:

Indenização por dano moral – Concubinato de curta duração – Ajuizamento contra ex-concubina – Alegação de ter sido seduzido pela ré, o que implicou na desestruturação da família do varão – Prova dos autos que desautorizam tal conclusão – Demandante, ademais, que refez sua vida conjugal (JTJ 204/372).

Infidelidade – Indenização por dano moral – Infidelidade no curso de união estável – A quebra de um dos deveres inerentes à união estável, a fidelidade, não gera o dever de indenizar, nem a quem o quebra, um dos conviventes, e menos, ainda, a um terceiro que não integra o contrato existente e que é, em relação a este, parte alheia (TJRS, RT 752/344).

6. Conclusão

A CRFB/88, em seu art. 5º inc. X garante a indenização pelo dano moral, em decorrência de violação da intimidade da vida privada, da honra e da imagem das pessoas.

Constituindo-se o casamento civil, o casamento religioso com efeito civil e a união estável, família em sentido lato, como base da sociedade e gozando de proteção estatal, assim como se admite a reparação por danos morais em decorrência de violação de promessa de casamento, é possível admitir-se e reconhecer-se a responsabilidade civil a ensejar reparação por danos morais em decorrência de ilícitos penais e/ou civis praticados pelos cônjuges ou pelos conviventes que importem em infringência dos deveres do matrimônio e violação dos deveres atinentes à união estável. Destarte, pode haver reparação por danos morais, em decorrência de comportamento ilícito ou reprovável, comportando a cumulatividade dos prejuízos materiais e morais, exemplificativamente, nas seguintes hipóteses:

a) fatos decorrentes da prática de ilícitos penais, notadamente os previstos no Código Penal, art. 121 (Homicídio doloso, nas formas simples e qualificada), art. 122 (Induzimento, Instigação ou Auxílio ao Suicídio), art. 129 (Lesões corporais dolosa, simples e qualificada), art. 131 (Perigo de contágio de moléstia grave) art. 138 (Calúnia), art. 139 (Difamação), art. 140 (Injúria), art. 146 (Constrangimento ilegal), art. 147 (Ameaça), art. 213 (Estupro), art. 214 (Atentado violento ao pudor), art. 217 (Sedução), art. 228 (Favorecimento da prostituição), art. 230 (Rufianismo), art. 235 (Bigamia), art. 236 (Induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento), art. 240 (Adultério), art. 249 (Subtração de incapazes), art. 339 (Denunciação caluniosa), art., 345 (Exercício arbitrário das próprias razões), etc, e na Lei de Contravenções Penais, art. 21 (Vias de fato);

b) imputação de homossexualidade ao homem ou a mulher, que embora não possuam tal característica, ou mesmo a possuindo parcial ou totalmente, não desejam “assumi-la” publicamente;

c) tornar público a impotência coeundi do homem ou a frigidez da mulher, ou ainda, o sadomasoquismo ou outros fatos que importem em irregularidades na conduta sexual dos mesmos;

d) tornar público a mulher, o fato de que o marido não é o verdadeiro pai de seus filhos;

e) desobedecer decisão judicial que deferiu o direito de visitação aos filhos para um dos cônjuges ou para um dos conviventes, proibindo-o de vê-los, praticando atentado e opondo-se à execução do ato legal mediante violência ou ameaça;

f) o parceiro que der causa ao rompimento injustificado da união, infringindo quaisquer dos deveres itemizados no art. 2º da Lei nº 9.278/96, operando a solução de continuidade do dever da convivência more uxorio, rompendo com os deveres de respeito e consideração, e de assistência moral, pode ser demandado e responsabilizado civilmente pelos danos morais que vier a causar ao outro convivente;

g) em circunstâncias que restem comprovados fatos que configurem o abuso de direito, a malícia, a má-fé, ensejadores do rompimento injustificado e culposo da sociedade conjugal e da união estável.

O critério a ser observado para a fixação da indenização na ação de reparação por danos morais, é o arbitramento judicial com suporte no art. 1.553 do CCB, que deverá jungir-se a padrões de prudência e eqüidade com análise equilibrada, levando-se em consideração as condições sociais e econômicas do ofendido e do ofensor, não devendo ser fixada de forma exagerada, para que o primeiro não se locuplete à custa do segundo ou ser arbitrada em valor inexpressivo para que este não se sinta impune, não se podendo destarte, aceitar os entendimentos adversos a tal tipo de reparação sob o argumento de que o mesmo infringiria a moral e aos bons costumes, e que tais danos não seriam reparáveis com pecúnia, haja vista que o ordenamento jurídico pátrio ampara tal pretensão consoante se extrai dos arts. 76 e par. único e 159, ambos do CCB.

7. Bibliografia

Aguiar, João Carlos Pestana. União Estável – O fato social e as novas tendências do Direito de Família – Lei nº 8.971, de 30 dezembro de 1994, Rio de Janeiro, Editora Espaço Jurídico, 1994. – Amorim, Sebastião Luiz. Oliveira, Benedito de. Separação e Divórcio. 5ª edição, revista e atualizada, São Paulo, Liv. e Ed. Universitária Ltda., 1999. – Cahali, Yussef Said. Dano e Indenização, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, p. 103 e 104. – Cahali, Yussef Said. Peluso, Antonio Cezar. Coltro, Antonio Carlos Mathias. Lazzarini, Alexandre Alves. Carvalho, Ivan Lira de. Pinto, Teresa Arruda Alvim.Leite. Eduardo de Oliveira. Alvim, Teresa Arruda. Coord. Repertório de Jurisprudência e Doutrina sobre Direito de Família – Aspectos constitucionais, civis e processuais, volume 1 e 2, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1993. – Carvalho Neto, Inácio. Separação e Divórcio, teoria e prática, 1ª ed., 2ª tir., Curitiba, Juruá, 1999. – Ciotola, Kátia Regina da Costa S. O Concubinato e as inovações introduzidas pelas Leis 8.971/94 e 9.278/96, 2.ª edição, revista e atualizada, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 1997. – Czajkowiski, Rainer. União Livre, à luz das leis 8.971/94 e 9.278/96, 1ª edição, 3ª tiragem, Curitiba, Juruá, 1997. – Dias, José de Aguiar. Da responsabilidade civil, volumes 1 e 2, 8ª edição, revista e aumentada, Rio de Janeiro, Forense, 1987. – Ibidem, nº 160, p. 442. – Daibert, Jefferson. Dos Contratos – parte especial das obrigações, 3ª edição, 1980, Rio de Janeiro, Forense. – Freitas, Paulo Roberto de Azevedo. O Novo regime jurídico da União Estável – ab-rogação da lei 8971/94 pela lei 9278/96, Rio de Janeiro, BES – Biblioteca Universidade Estácio de Sá, 1996. – Gilissen, Introdução Histórica ao Direito, 2ª edição, Trad. A. M. Hespanha e L. M. Macaísta Malheiros, Função Calouste Gulbekian, Lisboa, 1995. – Gomes, Orlando. Obrigações, 8ª edição, 1986, Rio de Janeiro, Forense. – Felipe, J. Franklin Alves. Adoção, Guarda, Investigação de Paternidade e Concubinato, 9.ª edição, revista e atualizada, Rio de Janeiro, Forense, 1997. – Gonçalves, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil, 6ª edição, atualizada e ampliada, São Paulo, Saraiva, 1995. – Loureiro Filho, Lair da Silva. Loureiro, Cláudia Regina Magalhães. Direito de Família: A lei nos Tribunais (Direito de Família – Alimentos, Divórcio e União Estável – anotações jurisprudenciais, bibliografia), São Paulo, Editora Juarez de Oliveira, 1999. – Monteiro, Washigton de Barros. Curso de Direito Civil, 5º Vol., 2ª parte – Direito das Obrigações, 15ª edição, revista e atualizada, 1980, Saraiva. – Pereira, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, Vol. III, 7ª edição, 1995, Rio de Janeiro, Forense. – Pedrotti, Irineu Antonio. Concubinato e União Estável, 3ª Edição, atualizada e ampliada – Lei nº 8.971, de 29 de dezembro de 1994 – Lei nº 9.278, de 10 de maio de 1998, São Paulo, Livraria e Editora Universitária de Direito Ltda., 1997. – Porto, Mário Moacyr. Temas de responsabilidade Civil, SP, Ed. Revista Tribunais, 1989. – Reis, Clayton. Dano Moral, 4.ª edição, Rio de Janeiro, Forense, 1994. – Rodrigues, Silvio. Direito Civil – Responsabilidade Civil, vol. 4, 9ª edição, revista e atualizada, 1985, São Paulo, Saraiva. – Silva, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 13ª edição, revista e atualizada nos termos da reforma Constitucional, São Paulo, Malheiros, 1997. – Theodoro Júnior, Humberto. Dano moral, 2ª edição, aumentada, São Paulo, editora Juarez de Oliveira, 1999. – Valler, Wladimir. A reparação do dano moral no direito Brasileiro, 2ª edição, E. V. Editora LTDA, Campinas, S. Paulo, 1994, p. 159/160. – Wald, Arnoldo. Curso de Direito Civil Brasileiro, Vol. II, Obrigações e Contratos, 12ª edição, revista ampliada e atualizada, com colaboração de Semy Glanz, 1995, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais. – Zenun, Augusto. Dano moral e sua reparação, 6ª edição, Rio de Janeiro, Forense, 1997.

1 Espínola, Eduardo. Apud. Antônio Chaves, Lições de Direito Civil, Ed. RT, S. Paulo, 1974, p. 74.

2 Dias, Aguiar, Ob.cit. , n.º 74 p. 167 – Mazeaud et Mazeaud, t. 2, n.º 1.494, p. 546 e Lalou, ob. cit., n.º 915, nota 1, p. 430

Colhido no site http://www.estacio.br/

A SECULARIZAÇÃO DA CULPA NO DIREITO DE FAMÍLIA

PEDRO WELTER
Promotor de Justiça no Rio Grande do Sul, Mestre em Direito Público
pela UNISINOS, Professor de Direito de Família na URI (Santo Ângelo)

SUMÁRIO: 1) doutrina sobre o dano moral no casamento e na união estável; 2) jurisprudência acerca do dano moral no casamento e na união estável; 3) a secularização da culpa no Direito de Família; 4) bibliografia.

Questão relevante e que merece maiores esclarecimentos é a referente à possibilidade de ser discutida a culpa no Direito de Família e, em decorrência, a propositura das ações de separação judicial litigiosa, por infração aos deveres do casamento, dissolução da união estável, indenização por dano moral, na perda do nome de casado, na fixação dos alimentos, na reversão dos bens e da meação ao cônjuge enfermo, que não houver pedido a separação judicial, e, estranhamente, para fins de concessão do direito de herança ao cônjuge e ao companheiro.

Por um lado, a pesquisa tem a finalidade de desmistificar a culpa e, em conseqüência, o denominado dano moral no casamento e na união estável, invocando, para tanto, o princípio da secularização. Por outro ângulo, e não incidindo em paradoxo, serão descritas as hipóteses que acarretam a indenização por dano moral nessas entidades familiares.

1 DOUTRINA SOBRE O DANO MORAL NO CASAMENTO E NA UNIÃO ESTÁVEL

No cenário jurídico brasileiro ocorrem manifestações favoráveis2 à indenização por danos sofridos pelo cônjuge inocente, por infração aos deveres do casamento e da união estável3. Contudo, não se trata de matéria nova e pacífica, tanto na doutrina quanto na jurisprudência4.

De um modo geral, o que se tem visto na doutrina, deve ser indenizado o dano moral na constância do casamento e da união estável, nos casos de crimes de homicídio, contra a honra, lesões corporais5; contaminação pelo vírus da AIDS6; falta do dever de assistência material, tentativa de morte, injúrias graves7; lesão deformante, abandono injustificado da família, adultério, maus tratos, transmissão de doença venérea8; incapacidade física9; negligência ao estado de saúde da mulher, permite que ela desenvolva moléstia10; sevícias, difamação e injúria11.

Examinando esses exemplos, em que se requer o ressarcimento dos danos morais, percebe-se que, em todos os casos, a alegada infração aos deveres do casamento e da união estável (artigos 1.566 e 1.724 do CC), além de se constituírem em causas da ruptura dessas entidades familiares (artigo 1.572 do CC), são condutas delituosas. É dizer, o dano que se reclama não é, na verdade, devido à desobediência aos deveres conjugais, mas, sim, porque tipificam conduta delituosa a um dos cônjuges ou companheiros. E esse dano material e moral à incolumidade física não se indeniza pela singela razão de ter ocorrido na constância do casamento ou da união estável, visto que, mesmo fora dessas entidades familiares, estará justificada a indenização pelo ato ilícito delituoso12.

2 JURISPRUDÊNCIA ACERCA DO DANO MORAL NO CASAMENTO E NA UNIÃO ESTÁVEL

Na jurisprudência, em praticamente todos os julgados consultados, em que se concedeu a indenização de dano moral no casamento e na união estável, foi devido à ocorrência de ilícito penal, e não só devido à infração aos deveres constantes dos artigos 1.566 e 1.724 do CC. Alguns exemplos podem ser citados:

a) Em julgamento no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em 1981, foi decidido que é cabível a indenização de dano moral quando o marido espanca a esposa, bárbara e violentamente, chegando a fraturar-lhe um braço13. Há, assim, a presença não apenas de infração aos deveres matrimoniais, como de ilícito penal, como causa da indenização.

b) Em outro acórdão do mesmo Tribunal14 não foi concedida a indenização do dano moral, tendo em vista que “a quebra de um dos deveres inerentes à união estável, a fidelidade, não gera o dever de indenizar, nem a quem o quebra, um dos conviventes, e menos ainda a um terceiro, que não integra o contrato existente e que é, em relação a este, parte alheia”. Vê-se que, embora o adultério seja crime (artigo 240 do CP), a tendência doutrinária15 e jurisprudencial16 é pela sua de despenalização. Não obstante a descriminalização do adultério, a conduta do cônjuge ou companheiro pode tipificar o crime de injúria17, a ensejar, então, a reparação por danos morais, mas não porque infringiu os deveres do casamento, e sim porque cometeu ilícito penal que, em tese, deve ser indenizado.

c) O Superior Tribunal de Justiça18 conferiu indenização por danos morais na constância do casamento, tendo em vista que “a separação litigiosa requerida pela mulher baseou-se na insuportabilidade da vida em comum, adjetivado o comportamento do marido como violento, irascível, tirânico, autoritário e ameaçador, proclamando ela seu fundado temor de ver-se objeto de violências físicas, além das psíquicas”. Aqui, novamente, o pedido de indenização não foi acolhido devido à infração dos deveres do matrimônio, mas, sim, porque o ex-marido cometeu o crime de ameaça e lesão corporal.

d) Dois acórdãos são citados pela doutrina19, oriundos do Tribunal de Justiça de São Paulo, em que houve a concessão de indenização de dano moral na constância do casamento, em decorrência do contágio do cônjuge pelo vírus da AIDS e ao abandono da cônjuge que estava grávida e perdeu o emprego, abortando voluntariamente. Esses dois casos, da mesma forma, comprovam que não houve tão-só infração aos deveres do casamento, mas conduta delituosa (artigo 121, c/c artigo 14, II, tentativa de homicídio pela transmissão do vírus da AIDS, artigo 125, aborto, e artigo 244, abandono material, todos do Código Penal).

e) No Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, ementa de acórdão foi edificada nos seguintes termos20: “Lesões corporais causadas pelo marido à própria esposa, deixando-a inabilitada para as funções profissionais de advogada”. Outra vez, presente a conduta criminosa a ensejar a indenização por dano moral.

f) Outro julgado é citado pela doutrina21, em que se concedeu o direito à indenização por dano moral, tendo em vista as sevícias e a injúria grave praticados por um cônjuge contra o outro. Está-se, mais uma vez, frente a uma conduta delituosa.

Vê-se que, em todas as hipóteses acima citadas, a doutrina e a jurisprudência admitem a indenização de dano moral no casamento e na união estável não em razão da infração aos deveres matrimoniais, mas, principalmente, em vista do cometimento de ilícito penal de um cônjuge ou convivente contra o outro. Dessa forma, a indenização é concedida não devido à ruptura da sociedade conjugal ou da entidade familiar, por infração aos deveres do casamento ou da união estável, mas, sim, porque o cônjuge ou companheiro culpado cometeu ilícito penal contra o seu consorte, que, em tese, deve ser indenizado.

É por isso que outra ala da doutrina22 contesta a indenização por dano moral no casamento e na união estável, pois seria o término da paixão, do amor, da libido, da força do sexo, impondo puritanismo retrógrado. É dizer, numa só palavra, a indenização não é exigida pela ruptura do desejo de felicidade, e sim porque, quem tinha o dever de contribuir para a felicidade, retribuiu com conduta delituosa.

Na verdade, os pedidos de indenização por dano moral na constância do casamento e da união estável não são pelo prejuízo que os cônjuges ou companheiros sofreram “em nome do amor que acabou”23, e sim pela desumana e indigna conduta delituosa perpetrada contra o consorte, a quem, algum dia, jurou amar, sonhar e fazer feliz por toda a vida, na alegria, na dor, na (des)esperança, na velhice, na (in)felicidade, na tristeza, na (des)confiança, na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, amando e respeitando um ao outro por todos os dias.

3 A SECULARIZAÇÃO DA CULPA NO DIREITO DE FAMÍLIA

Para melhor compreender a incidência, ou não, do dano moral no casamento e na união estável, é necessário volver ao Direito Romano, ao Direito Canônico e à origem do Estado de Direito.

A Igreja Católica, por meio do Direito Canônico, há vários séculos, instituiu a noção de culpa no casamento, em vista do cometimento do pecado original por Adão e Eva, que foram expulsos do paraíso, absorvendo a mácula do pecado. O casamento, para a Igreja, é eterno, um sacramento, portanto indissolúvel, não sendo tolerada, em decorrência, a separação do casal. O divórcio canônico era admitido em raríssimos casos, como adultério, abandono ou sevícias, isto é, quando do cometimento de ilícito penal. Em decorrência desse Direito Eclesiástico, surge o chamado princípio da culpa, como forma de manter edificado o casamento, que somente poderia ser desfeito mediante a comprovação de um culpado, que deveria ser punido24.

Noticia, Jeanine Nicolazzi Philippi25, que, em Roma, a religião significava estar ligado ao passado, que devia ser preservado, santificado e cultuado, inclusive pelas leis que eram elaboradas de acordo com os costumes dos antepassados. Todavia, com o transcorrer dos anos, os romanos começaram a questionar-se sobre a origens das leis. Dizia-se que era conseqüência de um saber racional, destinado a solucionar os conflitos, mas, por outro lado, era afirmado que a lei provinha de um lugar mítico, explicada e sustentada por intermédio da figura do Autor, de uma crença no Pai.

A partir dessa crença no Pai, as leis concretas da civitas permaneceram em segundo plano, pois a revelação divina surge como a única expressão capaz de ditar uma ordem eterna e válida para todos. O enfraquecimento da autoridade moral, política e intelectual da civilização romana cede espaço para o cristianismo que, pretendendo tornar-se religião universal, se apresenta, num primeiro momento, com princípios morais próprios, reforçando a idéia de um direito natural divino e, num segundo momento, vai representar uma possibilidade de justificação do poder e do sistema jurídico.

Com o desmembramento do Império Romano, em Ocidente e Oriente, a contar do século V, e com o decorrente desaparecimento de uma ordem secular estável, há um deslocamento de autoridade e poder de Roma ao Chefe da Igreja Católica Romana. Esta, por sua vez, desenvolveu um direito canônico, estruturado num “conjunto normativo dualista - laico e religioso - que irá se manter até o século XX”. Como conseqüência, nas Idades Antiga e Medieval, o Direito, confundido com a Justiça, era ditado pela Igreja, que, possuindo autoridade e poder, se dizia “intérprete de Deus na terra”26. A justificação desse poder de dizer o justo fundava-se na natureza física e social, tidas como obra da criação divina.

Nos primórdios da Idade Moderna, prossegue a autora, surge nova concepção epistemológica, descristianizando a teoria naturalista. Foram expoentes dessa mudança Hugo Grócio, seguido por Locke, Robbes, Rousseau, Kant, entre outros jurisconsultos. E esse renascimento representou a laicização, que formatou uma mudança de pensamento e de paradigma, transformando a concepção do Direito e do Estado. Desse (re)nascer do Direito e do Estado puderam ser constatadas quatro Revoluções: a) a revolução econômica, por meio do capitalismo mercantil, do comércio, da manufatura e das cidades; b) a revolução política, que trouxe o fim do Estado Teocrático, ou seja, a partir de então, o poder não era mais de “Deus”, e sim do Estado de Direito; c) a revolução do conhecimento, que representou o rompimento com o pensamento religioso (a Igreja justificava o direito com base no direito divino); d) a revolução cultural, que incluiu a família, o indivíduo e a criança como parte e base da sociedade.

Durante o período da secularização (laicização)27, os contratualistas John Locke, Thomas Hobbes e Jean-Jacques Rosseau, entre outros, pela teoria do contrato social (século XVII), sustentaram que o direito continua sendo um dado da natureza (e não das alturas, divino), mas, para que as leis se tornassem normas positivas, haveria necessidade do consentimento do indivíduo. A humanidade, que se encontrava no estado da natureza, sem qualquer regra de convivência social, firmou um contrato social, surgindo, então, o Estado de Direito, uma criação artificial da razão humana, que passa a ditar as leis positivas, acarretando o fim do Estado Natural e o início do Estado Social e Político.

O princípio da secularização, de acordo com Luigi Ferrajoli28, é a idéia de que inexiste uma conexão entre o direito e a moral. O direito não tem a missão de (re)produzir os elementos da moral ou de outro sistema metajurídico de valores éticos-políticos, mas, tão-somente, o de informar o seu produto de convenções legais não predeterminado ontológico nem tampouco axiologicamente. Mas, por outro lado, salienta o constitucionalista, se edificada a mesma idéia de forma contrária, denota a autonomia da moral com relação ao direito positivo, isto é, “os preceitos e os juízos morais, com base nesta concepção, não se fundamentam no direito nem em outros sistemas de normas positivas - religiosas, sociais ou de qualquer outro modo objetivas -, senão somente na autonomia da consciência individual”. Essas são, segundo o jurista, as duas teses que constituyem uma adquisición básica de la cultura liberal. Y reflejan el proceso de secularización, culminado al inicio de la Edad Moderna, tanto del derecho como de la moral, desvinculándose ambos em tanto que esferas distintas y separadas de cualquer nexo com supuestas ontologías de los valores29.

Ressaltam, Amilton Bueno de Carvalho e Salo de Carvalho30, que a secularização (laicização) é a ruptura entre a cultura eclesiástica e as doutrinas filosóficas, especialmente entre a moral do clero e a forma de produção da ciência. Por isso, o Estado não deve se imiscuir coercitivamente na vida moral dos cidadãos e nem tampouco promover coativamente sua moralidade, mas apenas tutelar sua segurança, impedindo que se lesem uns aos outros. Com o princípio da secularização, concluem os articulistas, podem ser invocados inúmeros (sub)princípios: da inviolabilidade da intimidade e do respeito à vida privada (art. 5º, X), do resguardo da liberdade de manifestação de pensamento (art. 5º, IV), da liberdade de consciência e crença religiosa (art. 5º, VI), da liberdade de convicção filosófica ou política (art. 5º, VIII) e da garantia de livre manifestação do pensar (art. 5º, IX).

Com efeito, o princípio da secularização fez corte vertical entre a moral eclesiástica e o Direito, pelo que, parafraseando o jurista italiano Luigi Ferrajoli, os preceitos e os juízos morais não têm lastro no Direito, mas, tão-só, na liberdade da consciência individual31. A moral, a contar da separação entre a Igreja e o Estado, não é mais um mandato das alturas, não é mais sacra, e sim profana. Esse princípio da liberdade da consciência individual traduz-se no princípio da liberdade de entrar e sair do casamento e da união estável, representando o esteio, o pilar, a âncora da democracia32, que não existe sem dignidade33. É dizer, o cônjuge e o convivente têm a liberdade de entrar e de sair do casamento e da união estável quando melhor lhe aprouver, sem que a sua conduta importe violação à moral do consorte. Perante as leis da Igreja pode ser até imoral alguém sair, de uma hora para outra, do recanto familiar. No entanto, se não abandonar a família material, intelectual e moralmente, não estará cometendo qualquer conduta delituosa, pelo que descabe qualquer indenização ante a sua opção de separar-se, de libertar-se do jugo, ante a falência do amor, da felicidade e do afeto, principais elementos da unidade familiar.

Com a laicização dos Estados e do Direito Estatal, o Direito Canônico tornou-se laico (leigo), afastado do Direito Estatal, não podendo ser juridicizado, porque, desde aquela época, compete ao Estado dizer o Direito, e não mais à Igreja. Dessa forma, a culpa, por ser parte do Direito Canônico, Divino, deve ser secularizada, laicizada, excluída do Direito Estatal.

É devido à longa, mas recente laicização do Direito e dos Estados (séculos XIV a XX) que o jurista tem dificuldade em seccionar o Direito Canônico do Direito Estatal. Ainda hoje o Direito Estatal sofre influência de ordem secular, canônica, divina, como a inserção da culpa na separação judicial e na dissolução da união estável (artigo 1.572 do Código Civil), na fixação dos alimentos (artigos 1.694, parágrafo 2º, 1.702, 1.704, e parágrafo único, do Código Civil), na perda do nome de casado (artigo 1.578 do Código Civil) e na reversão dos bens e da meação ao cônjuge enfermo, que não houver pedido a separação judicial, nos casos permitidos pelo regime de bens (artigo 1.572, parágrafo 3º, do Código Civil) e, estranhamente, inclusive para fins de concessão do direito de herança ao cônjuge e companheiro (art. 1.830 do Código Civil)34. E isso ocorre porque, para a Igreja, o casamento é indissolúvel, é um sacramento, é eterno (até que a morte os separe), aplicando-se, portanto, o princípio da sacralização. E a indissolubilidade do casamento faz com que o jurista defenda a discussão da culpa no Direito de Família, como se o Direito eclesiástico, que prega a culpa no âmbito familiar, ainda tivesse influência no Direito Positivo35.

Nesse sentido, há um paradoxo, porque, de um lado, o legislador brasileiro aceitou a laicização do Direito Estatal, ao introduzir o divórcio no País, em 1977, após longos anos de discussão e resistência da Igreja, afastando o princípio da indissolubilidade do casamento. Além disso, a culpa foi secularizada, laicizada, descristianizada, profanada, dessacralizada, desconsagrada e desdramatizada pelo Direito do Estado, ao permitir, por exemplo, a guarda de filho pelo cônjuge ou companheiro responsável pela dissolução da entidade familiar (artigo 1.584 do Código Civil). Contudo, por outro lado, não é aceita a laicização, a abolição, a extinção da culpa na dissolução das entidades familiares na fixação dos alimentos, na adoção do nome de casado(a), na dissolução da sociedade conjugal ou da união estável e na perda dos bens e da meação ao cônjuge enfermo, que não houver pedido a separação judicial.

Há mais: a Constituição Federal de 1988 e o Código Civil de 2002 extinguiram o princípio da sacralização do casamento, com a possibilidade de divórcio (artigo 226, parágrafo 6º, da Constituição Federal, e artigo 1.580, e parágrafo 2º, do Código Civil), com o reconhecimento de outras formas de constituição de família, como a união estável e a monoparentalidade (artigo 226, parágrafos 3º e 4º, da Constituição Federal, e artigo 1.723 e 1.597, IV, do Código Civil), a igualdade entre os cônjuges (artigo 226, parágrafo 5º, da Constituição Federal, e artigo 1.511 do Código Civil) e a igualdade entre os filhos havidos ou não do casamento e da união estável (artigo 227, parágrafo 6º, da Constituição Federal, e artigo 1.596 do Código Civil). É dizer, esse mesmo Estado, que é Democrático e de Direito, dessacralizou o casamento, mas não aceita a secularização da culpa em todas as áreas do Direito de Família. O Estado não se dá conta de que, ao manter a culpa no âmbito do Direito de Família, está, na verdade, aceitando, indevidamente, a imposição da doutrina do Direito Eclesiástico.

E o jurista, por sua vez, não deve incidir no mesmo equívoco do Estado - interpretar o Direito de Família com base no Direito da Igreja -, para que seja possível afastar a culpa não apenas em parte, mas em todo o Direito de Família. Em decorrência, a pretensa indenização por dano moral perderá o objeto, visto que pressupõe um culpado e um inocente na dissolução das entidades familiares36.

No Direito de Família, em vista dos princípios da secularização, da dessacralização do casamento, da liberdade, da igualdade, da prevalência dos interesses dos cônjuges e dos companheiros, da felicidade, da solidariedade, do afeto, da cidadania e da dignidade da pessoa humana, não se pode falar em culpa ou em responsabilidade civil37. A responsabilidade imposta no Direito de Família é apenas o “direito de ser feliz e o dever de fazer o outro feliz”38. O amor é uma estrada de mão dupla, na qual os cônjuges ou companheiros são responsáveis pelos seus atos e suas escolhas39, pelo que não se pode discutir a culpa40. No Direito de Família, não há responsabilidade civil, e sim a responsabilidade pessoal, em vista da liberdade de escolha do consorte, da situação em que o cônjuge ou companheiro se encontra, ao optar pela dissolução da entidade familiar, e pela saída desse conflito41, enfim, se é direito da pessoa humana constituir núcleo familiar, também é direito seu não manter a entidade formada, sob pena de comprometer-lhe a existência digna42.

Eventual lei de imposição de dano moral na dissolução da sociedade conjugal ou união estável seria inconstitucional, por duas razões: a primeira, as leis não têm o objetivo de abolir, e sim de preservar e ampliar a liberdade43, sob pena de incidir em retrocesso social, o que é inadmissível, segundo a doutrina44 e a jurisprudência45, e renunciar à liberdade é o mesmo que abdicar de um direito próprio da humanidade46; a segunda, essa lei ofenderia os princípios constitucionais da secularização, da prevalência dos interesses dos cônjuges e companheiros, da cidadania, do afeto, da solidariedade, da liberdade e da dignidade da pessoa humana, isso porque não se admite que uma regra, mesmo que em nível constitucional, possa contrariar princípios.

Destarte, o Estado de Direito laicizou, tornou leigo, secularizou, descristianizou, profanou, desconsagrou, degredou, dessacralizou, desdramatizou, enfim, extinguiu o princípio da culpa, pelo que, em um Estado Constitucional, deve-se compreender que a Constituição (ainda) constitui47, não se podendo admitir a discussão da culpa do Direito Canônico no âmbito do Direito de Família.

Porém, isso não significa que o dano moral deve ser afastado do Direito de Família, porquanto, se os consortes, na constância do casamento e da união estável, praticarem, entre si, ilícito penal, esse dano deve ser indenizado, não porque o fato ocorreu durante a entidade familiar, e sim devido ao delito penal que, em tese, deve ser indenizado48.

4. BIBLIOGRAFIA

ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Violência contra a mulher e controle penal. In: Revista da Faculdade de Direito da UFSC, 1998. Vol. 1. In: CD juris síntese nº 34, Porto Alegre: Editora Síntese, 2003.

BITTAR, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais. 3.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 11.ed. São Paulo: Malheiros, 2001. CAHALI, Yussef Said. Dano Moral. 2.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999.

--------------------------- Divórcio e Separação. 8.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 3.ed. Coimbra - Portugal: Livraria Almedina, 1999.

CARVALHO, Amilton Bueno de. CARVALHO, Salo de. Aplicação da Pena e Garantismo. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2001.

CARVALHO, Salo de. Pena e Garantias: uma leitura do garantismo de Luigi Ferrajoli no Brasil. Rio de janeiro, Editora Lumen Juris, 2001.

CORRÊA, Darcísio. A construção da cidadania. Ijuí: Editora Unijuí.1999.

CRISPINO, Nicolau Eládio Bassalo. Responsabilidade Civil dos Conviventes. In: A Família na Travessia do Milênio, 2000, Belo Horizonte. Anais. (coord.) Rodrigo da Cunha Pereira. Belo Horizonte: Del Rey, 2000.

DIAS, Maria Berenice Dias. Amor proibido. Disponível em: < www.mariaberenice.com.br>, citando Saint Exupéry.

FARIAS, Cristiano Chaves de. A proclamação da liberdade de permanecer casado. Porto Alegre: Síntese. In: Revista brasileira de direito de família nº 18, de junho e julho de 2003.

FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón: teoria del garantismo penal. 4.ed. Madrid: Editorial Trotta, 2000. Traduzido por Perfecto Andrés Ibánez; Alfonso Rui Miguel; Juan Carlos Bayón Mohino; Juan Terradilos Basoco; Rocío Cantarero Bandrés. Tradução de Diritto e ragione - Teoria del garantismo penale.

KLEIN, Fabiane. A polêmica sobre a abstração da culpa na separação judicial litigiosa. (Org.) Maria Cláudia Crespo Brauner. O Direito de Família descobrindo novos caminhos. Canoas: Editora La Sale, 2001.

MADALENO, Rolf. Divórcio e Dano Moral. Revista do Direito de Família 01, n. 02.

MARTINS, Ives Gandra da Silva. O exame do DNA como meio de prova - aspectos constitucionais. In: Grandes Temas da atualidade: DNA como meio de prova da filiação. (coord.) Eduardo de Oliveira Leite. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2000.

MOTTA, Maria. Direito de Família: a família na travessia do milênio. In: II Congresso Brasileiro de Direito de Família, 2000, Belo Horizonte. Anais. (coord.) Rodrigo da Cunha Pereira. Belo Horizonte: Del Rey, 2000.

PEIXOTO, Cid. Princípios elementares de Direito Público Constitucional. 2.ed. São Paulo: Companhia editora nacional, Biblioteca de estudos comerciais e econômicos, 1942. Volume 22.

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. A Vitória da Ética Sobre a Moral. In: Revista Jurídica. Afeto, a ética no Direito de Família. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. n. 8, Ano IV, mai./2002.

------------------------------------ Da União Estável. In: Direito de Família e o novo Código Civil. (coord.) Maria Berenice Dias; Rodrigo da Cunha Pereira. Belo Horizonte: Del Rey, 2002.

PEREIRA, Sérgio Gischkow. Dano moral e direito de família: o perigo de monetarizar as relações familiares. Disponível em: http://www.gontijo-familia.adv.br.

PHILIPPI, Jeanine Nicolazzi. A Lei: uma abordagem a partir da leitura cruzada entre Direito e Psicanálise. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.

REI, Cláudio Alexandre Sena. Danos morais entre cônjuges. Disponível em: www.jus.navigandi.com.br. Acesso em: 03.03.2001.

RUBIN, Daniel Sperb. Direito privado e Constituição - contratos e direitos fundamentais. Porto Alegre: Revista do Ministério Público do Rio Grande do Sul nº 40, mai./2001.

SANTOS, Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos. Reparação civil na separação e no divórcio. São Paulo: Saraiva, 1999.

---------------------------------- Responsabilidade Civil dos conviventes. In: Revista brasileira de direito de família nº 03, ano I, out/dez/1999.

SILVEIRA, José Néri da. A reforma constitucional e o controle de sua constitucionalidade. In: Revista do Ministério Público Estadual do Rio Grande do Sul nº 35, 1995.

STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica e(m) crise. 2.ed. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2000.

----------------------- Jurisdição constitucional e hermenêutica - uma nova crítica do Direito. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2002.

WARAT, Luis Alberto. Introdução Geral ao Direito: o Direito não estudado pela teoria jurídica moderna. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1997. Volume III.

WELTER, Belmiro Pedro. Dano moral na separação, divórcio e união estável. São Paulo: Revista dos Tribunais 775/138.

------------------------------- Estatuto da união estável. 2.ed. Porto Alegre: Síntese. 2003.

WELTER, Belmiro Pedro. A secularização da culpa no Direito de Família. Disponível na Internet: http://www.mundojuridico.adv.br. Acesso em 10 de maio de 2010